ESTUDO DA FLORA ANGOLANA:
UM RECORTE HISTÓRICO ANTES E DEPOIS DA INDEPEDÊNCIA
O conhecimento
tradicional, transmitido de uma geração para a seguinte ao longo de milhares de
anos, constitui uma fonte básica de informação sobre a fauna e flora do país.
Esta diversidade tem sido compreendida e valorizada pelo povo Angolano.
Figueiredo, E. & Smith, G.F. 2008
Angola é o segundo maior país da África
sub-Sahariana e possui uma superfície territorial de 1.246.700 Km2,
sendo considerada um dos países mais ricos em biodiversidade dentro do
continente africano e um dos mais importantes centros de endemismo da região
Austral da África tropical.
A excepcional
biodiversidade em Angola deve-se à combinação de um certo número de factores: a
vasta dimensão do país, a sua posição geográfica inter-tropical, a variação em
altitude e o tipo de biomas. A resultante diversidade climática, combinada com
igual variabilidade geológica e de solos, contribuíram para a formação de zonas
bioclimáticas que compreendem desde a densa floresta tropical até à ausência de
vegetação no deserto. Estes diferentes habitats favorecem um elevado nível de
diversidade biológica (MINUA, 2005a).
Segundo o IUCN, em 1992 existiam no país
aproximadamente 8.000 espécies de
plantas, das quais 1 260 são endémicas (o que torna Angola o segundo país de
África com mais plantas endémicas)(Stuart & Adams, 1990; Moreira, I. 2006).
Grande parte destas espécies encontram-se concentradas em regiões montanhosas a
mais de 2000 m de altitude como é o caso do Morro do Moco na província do
Huambo que detém a maior área remanescente da conhecida floresta afromontana em
Angola, reduzida actualmente a um máximo de 200 ha (Olmos, et al. 2008).
Em relação aos animais regista-se 275 espécies de
grandes mamíferos registradas, 26 espécies de antílopes (entre eles a palanca
negra gigante), 915 espécies de avifauna catalogadas, 15 espécies de morcegos
frutívoros catalogadas, 19 espécies endêmicas de anfíbios e 266 peixes de água doce.
Angola apresenta, pois, um rico e
variado património em flora e fauna, quase único na região, tanto em termos
quantitativos como qualitativos que, a serem explorados de forma sustentável,
podem constituir a base para o desenvolvimento económico, social e ambiental do
país.
Investigações
recentes referentes a segunda fase de expedição dos 14 cientistas da National
Geografic Society, relacionadas com à fauna e flora selvagem de Angola, na zona
do projecto Okavango-Zambeze, dados preliminares apontam na descoberta de mais
de 500 novas espécies de animais e plantas identificadas nos rios Cuito,
Cubango e Cuanavale. Destacando-se os pássaros com 357, peixes 60, isto sem
apontar os répteis, anfíbios e outras espécies da nossa biodiversidade.
I. ESTUDOS BOTÂNICOS ANTES DA INDEPENDÊNCIA
Os primeiros
estudos botânicos em Angola, tiveram início com a colheita dos primeiros
espécimes botânicos por britânicos, no final do século XVII e início do século
XVIII. Sendo constituídos por quatro pequenas colecções que se encontram
integradas no herbário do Museu Britânico de Londres. A primeira colecção foi
organizada por Mason, em 1669 (Dondo-Luanda), e consta de 36 exemplares, a
segunda colecção foi feita por Kirkwood (1696–1699 – Cabinda) e a terceira por
Gladman (C:? 1690). A quarta colecção é a maior, tendo sido realizada por Brown
(1706-1707).
A primeira planta
angolana descrita na literatura científica foi a Maerua angolensis DC. (Fig. 1), colhida nas vizinhanças de Benguela por
Joaquim José da Silva[1] que havia sido enviado a Angola por decreto real, de
1783 a 1787, com a finalidade de fazer colheitas de plantas. Esta sua colheita,
depositada no Museu Real da Ajuda em Lisboa, foi transferida para Paris durante
a ocupação de Portugal pelas forças Napoleónicas, tendo vindo a ser descrita
apenas em 1824.
A primeira grande exploração botânica de Angola foi realizada em 1852, por Friedrich Welwitsch, após ser nomeado para estudar a vegetação de Angola. Médico e naturalista austríaco, ao serviço do Governo português em Angola durante os anos de 1853 a 1861, Welwitsch foi, na época, o principal investigador da flora de angolana.
Figura 1 - Maerua angolensis DC (primeira planta angolana descrita na literatura científica)
A primeira grande exploração botânica de Angola foi realizada em 1852, por Friedrich Welwitsch, após ser nomeado para estudar a vegetação de Angola. Médico e naturalista austríaco, ao serviço do Governo português em Angola durante os anos de 1853 a 1861, Welwitsch foi, na época, o principal investigador da flora de angolana.
Welwitsch depois
de ter percorrido as regiões de Luanda, Cuanza Norte, Malanje, Benguela e
Huíla, decidiu percorrer o sul do país, onde em 1859 explorando o deserto do
Namibe (video 1), e numa zona rochosa e árida que deu com aquela que viria a ser uma das
plantas mais raras encontrada até então. Os nativos chamavam-lhe de N´lumbo e por isso Friedrich Welwitsch
chamou-lhe Tumboa bainesii. Um nome
que mais tarde seria alterado para Welwitschia
mirabilis (video 2), para homenagear o homem que a descobriu.
Video 1 - Deserto do Namibe
Video 2 - Deserto do Namibe: Welwitschia mirabilis
Encontrando-se as
suas colecções botânicas depositadas nos Herbário de LISU da Faculdade de
Ciências de Lisboa e do Museu Britânico de Londres. Por disposição
testamentária de Welwitsch, executada pela Academia de Ciências de Lisboa,
foram entregues duplicados de plantas deste explorador aos Herbários de Berlim,
Coimbra, Kew, Paris, S. Petersburgo e Viena.
Anterior a 1900,
para além do numeroso material colhido por Welwitsch, existem materiais de
herbário referentes a outros notáveis colectores, que com as suas colecções
botânicas permitiram enriquecer o conhecimento da flora e vegetação angolanas,
como por exemplo: Buchner, Chaves, Dekindt, Marques, Mechow e Teucz.
No que respeita
às colheitas feitas de 1900 até 1950, destaca-se o grande explorador botânico:
John Gossweiler (1873–1952). Este técnico agrícola e botânico é conhecido
principalmente como um grande colector em Angola, certamente o maior de todos
na primeira metade do século XX. A sua obra continua a servir de referência
para outros trabalhos que foram realizados até aos dias de hoje.
Outros colectores
como Carrisso (Director do Jardim Botânico de Coimbra nas primeiras décadas do século XX) (Video 1), Exell e Mendonça, também contribuíram para o estudo da flora
angolana durante esse período, não só no âmbito da Missão Botânica de Angola
mas também fazendo o estudo das diversas colecções botânicas anteriormente
realizadas, de modo a lhes servirem de referência nos sucessivos fascículos que
foram sendo publicados do Conspectus
Florae Angolensis (Tabela 1), no
período de 1937-1993 (Exell & Mendonça, 1937, 1951, 1954, 1956; Exell &
Fernandes 1962, 1966; Exell, Fernandes e Mendes, 1970; Schelpe, Jermy & Launert, 1977;
Fernandes, 1982; Diniz, 1993 (Fig. 2 A, B, C, D, E, F, G).
Video 1 - Expedições botânicas das colonias portuguesas coordenadas por Luís Carrisso
Tabela 1 –
Divulgação da flora Angolana antes da independência
Volumes Publicados
|
Fascículos (Famílias)
|
Total
|
Ano da Publicação
|
I
|
Ranunculaceae-Malvaceae
|
55
|
20-01-1937
|
Malvaceae-Aquifoliaceae
|
20-08-1951
|
||
II
|
Celastraceae-Connaraceae
|
10
|
20-05-1954
|
[Balsaminaceae]; Leguminosae
(Caesapinioideae-Mimosoideae)
|
20-04-1956
|
||
III
|
Leguminosae-Papilionoideae:
Genisteae-Galegeae
|
09
|
30-01-1962
|
Leguminosae-Papilionoidea:
Hedysareae-Sophoreae
|
29-04-1966
|
||
IV
|
Rosaceae-Alangiaceae
|
29
|
14-08-1970
|
Pteridophyta
|
27
|
25-08-1977
|
|
Família 70
|
Crassulaceae
|
1
|
25-11-1982
|
Familia 122
|
Bignoniaceae
|
1
|
1993
|
Total Geral
|
122
|
As colecções de
Welwitsch e Gossweiler, excedem largamente em importância todas as colheitas
realizadas em Angola por outros botânicos colectores. Considerados os pais da
botânica angolana, tendo viajado e colhido no país ao longo de vários anos.
Posteriormente a
1950, muitos têm sido os colectores que realizaram explorações botânicas, Brito
de Teixeira, notabilizou-se deixando uma valiosa colecção botânica com mais de
13000 números. Brito de Teixeira prestou serviço de 1949-1969 em Angola,
encontrando-se a maioria da sua colecção de plantas no Herbário do Instituto de
Investigação Agronómica da Chianga, no Huambo, no Herbário do Instituto
Botânico da Universidade de Coimbra e no Herbário do Instituto de Investigação
Científica Tropical de Lisboa, Portugal.
[1] Realizou a
primeira exploração científica portuguesa que foi concluída em 1808
Figura 2. Volumes do
Conspectus Florae Angolensis, publicadas no período de 1937-1993. A. Volume I;
B. Volume II; C. Volume III; D. Volume IV; E. Volume Único: Pterydofitas; F.
Familia 30: Crassulaceae e G. Familia 122: Bignoniaceae.
Durante o século
XX, botânicos, ecologistas, missionários, fazendeiros e muitos cientistas de
visita em Angola contribuíram para o aumento das colecções nos herbários
europeus e nas instituições científicas angolanas.
II. ESTUDOS BOTÂNICOS DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA
Na sequência da
independência em 1975 e das quase três décadas de guerra civil que se seguiram,
existiram poucas oportunidades para desenvolver trabalho de campo e a atenção
do governo teve de se virar para prioridades socio-económicas e de segurança.
Em consequência, os contributos sobre o estudo e divulgação da flora
esmoreceram. Nos anos de 1977, 1982 e 1993 (Figura 2 E, F e G),
foram divulgados os últimos volumes do Conspectus Florae Angolensis (Tabela 1)
No entanto, na sequência do acordo de paz de
2002, as previsões de um rejuvenescimento da botânica em Angola tornam-se
promissoras. Desde então até ao presente, têm sido apresentadas muitos
trabalhos de investigação, envolvendo instituições públicas e privadas
(nacionais e estrangeiras), visando contribuir para a melhoria do conhecimento
botânico de Angola.
Diversas obras literárias
relacionadas a flora e a vegetação do país, bem como, a sua utilidade
destacamos três, que foram publicadas na
última década: Plantas Medicinais de Angola (2013), publicação de Esperança
Costa e Manuela Pedro (Fig. 3 A),
Plantas Ameaçadas em Angola (2009), publicação de Esperança Costa, André Dombo
e Manuela Pedro (Fig. 3 B) e
Checklist das Poaceae de Angola (2004), pelos autores Esperança Costa, Teresa
Martins e Francisca Monteiro (Fig. 3 C).
Figura 3. Algumas obras
literárias relevantes para o conhecimento da flora Angolana publicadas na
última década. A. Costa e Pedro.
2013. Plantas Medicinais de Angola; B.
Costa, Dombo & Pedro. 2009. Plantas Ameaçadas de Angola; C. Costa, Martins & Monteiro. 2004.
Checklist das Poaceae de Angola.
Cada vez mais,
nações de todos os continentes procuram forma de se auxiliarem mutuamente de
modo a assegurarassegurar um futuro sustentável e humano. Angola não é
excepção, fruto dissodisso, ratificou a Convenção sobre a Diversidade
Biológica[1] (assinada a 5 de Junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro,
Brasil) após aprovação pela Assembleia Nacional da resolução n.º 23/97 de 4
Julho. Dia 1 de Abril de 1998, Angola tornou-se membro da Conferência das
Partes desta Convenção. Respondeu ao programa de trabalho, com a preparação e
publicação da Estratégia e Plano de Acção
Nacionais para a Biodiversidade, que realça a necessidade urgente de
construir capacidade na inventariação, documentação e conservação da
biodiversidade (Artigo 6º da Convenção sobre a Diversidade Biológica).
III. LACUNAS DE INFORMAÇÃO SOBRE A BIODIVERSIDADE ANGOLANA
A informação
sobre a biodiversidade em Angola é escassa, pelo que a investigação é
considerada uma prioridade. É de salientar que a diversidade da fauna
(vertebrados) angolana tem sido mais exaustivamente estudada do que os recursos
botânicos do país.
Apesar da pouca
informação existente sobre o estado actual da biodiversidade em Angola, tudo
aponta para que a situação se possa considerar como preocupante, nomeadamente
para determinadas espécies de vegetais e animais que, por serem endêmicas e se
encontrarem criticamente ameaçadas, devem ser objecto de protecção e de que são
exemplo a palanca negra gigante -Hippotragus
niger variani – e WelwitschiaWelwitschia – Welwitshia mirabilis. Entre as espécies criticamente ameaçadas
encontram-se ainda Diceros bicornis e
Diceros bicornis ssp. minor (rinocerontes
pretos), Pan troglodytes troglodytes (chimpanzé)
e Gorilla gorilla (gorila), Dendromus vernayi (esquilo), Trichechus senegalensis (manatim
africano) e Dermochelys coriacea (tartaruga).
Algumas espécies
como a chita, as hienas castanhas, o cão selvagem, o rinoceronte preto e o
manatim africano, as zebras de montanha e de planície, a girafa e o orix são
mesmo dadas como extintas em algumas partes do território angolano onde
anteriormente abundavam. Várias outras espécies correm riscos graves de
extinção. 50 das 275 espécies de mamíferos registadas em Angola estão listadas
como correndo riscos de conservação de grau diverso (MINUA, 2005a).
Faltam
levantamentos actualizados que cubram os diferentes padrões de vegetação de
Angola. São igualmente necessários levantamentos para confirmar o estado de
conservação de espécies como a Swartzia
fistuloides (pau ferro), Dalbergia melanoxilum (pau preto) e outras
espécies exploradas comercialmente.
A redução de
habitats florestais, as elevadas taxas de desflorestamento e as queimadas
descontroladas podem ser um factor de risco importante cuja dimensão é
necessário estudar.
IV. ESPÉCIES VEGETAIS EM RISCO
Cerca de 175
espécies de animais e plantas estão listados na Lista Vermelha do UICN (IUCN,
2000, www.redlist.org) como estando vulneráveis, ameaçadas, criticamente
ameaçadas, ou para as quais não existem dados suficientes (incluindo 3 espécies
de insectos, 37 espécies de pássaros, 90 mamíferos, 7 répteis, 10 gastrópodes e
28 magnoliopsidos).
Os dados que a
seguir se apresentam estão incluídos nas listas vermelhas da IUCN publicadas
desde há 11 anos
atrás (actualizada em 2012) e incluem as seguintes:
Nome Científico
|
Nome comum
|
Nome Científico
|
Nome comum
|
Crotalaria
bamendae
|
Nauclea
diderichii
|
||
Dalbergia
melanoxilum
|
Ébano africano
|
Neritinia
oweniana
|
|
Entandrophragma
angolense
|
Phrynobatrachus
brevipalmatus
|
||
Entandrophragma
candollei
|
Cedro kokoti (I)
|
Prunus africana
|
|
Entandrophragma
cylindircum
|
Sapele (I)
|
Pterocarpus
angolensis
|
Kiaat, Mukua (I)
|
Entandrophragma
utile
|
Raphia regalis
|
||
Mikaniopsis
vitalba
|
Swartzia
fistuloides
|
Pau rosa, pau ferro
|
|
Milicia excelsa
|
Iroko
|
Tapinanthus
preussii
|
|
Monardithemis
flava
|
Turraeanthus
africanus
|
Fonte: Red Data
List IUCN, 2004 ; (I) Inglês
V. Referências Bibliográficas
- Figueiredo, E. & Smith, G.F. 2008. Plants of Angola/Plantas de Angola. Disponível em:http://www.sanbi.org/sites/default/files/documents/documents/strelitzia-22-2008.pdf Acesso: 12 de Fevereiro de 2015
- Volumes do Conspectus Florae Angolensis:
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