quinta-feira, 20 de abril de 2017

ESTUDO DA FLORA ANGOLANA: UM RECORTE HISTÓRICO ANTES E DEPOIS DA INDEPEDÊNCIA



ESTUDO DA FLORA ANGOLANA: 

UM RECORTE HISTÓRICO ANTES E DEPOIS DA INDEPEDÊNCIA

O conhecimento tradicional, transmitido de uma geração para a seguinte ao longo de milhares de anos, constitui uma fonte básica de informação sobre a fauna e flora do país. Esta diversidade tem sido compreendida e valorizada pelo povo Angolano.
Figueiredo, E. & Smith, G.F. 2008


Angola é o segundo maior país da África sub-Sahariana e possui uma superfície territorial de 1.246.700 Km2, sendo considerada um dos países mais ricos em biodiversidade dentro do continente africano e um dos mais importantes centros de endemismo da região Austral da África tropical.

A excepcional biodiversidade em Angola deve-se à combinação de um certo número de factores: a vasta dimensão do país, a sua posição geográfica inter-tropical, a variação em altitude e o tipo de biomas. A resultante diversidade climática, combinada com igual variabilidade geológica e de solos, contribuíram para a formação de zonas bioclimáticas que compreendem desde a densa floresta tropical até à ausência de vegetação no deserto. Estes diferentes habitats favorecem um elevado nível de diversidade biológica (MINUA, 2005a).

Segundo o IUCN, em 1992 existiam no país aproximadamente 8.000 espécies de plantas, das quais 1 260 são endémicas (o que torna Angola o segundo país de África com mais plantas endémicas)(Stuart & Adams, 1990; Moreira, I. 2006). Grande parte destas espécies encontram-se concentradas em regiões montanhosas a mais de 2000 m de altitude como é o caso do Morro do Moco na província do Huambo que detém a maior área remanescente da conhecida floresta afromontana em Angola, reduzida actualmente a um máximo de 200 ha (Olmos, et al. 2008).

Em relação aos animais regista-se 275 espécies de grandes mamíferos registradas, 26 espécies de antílopes (entre eles a palanca negra gigante), 915 espécies de avifauna catalogadas, 15 espécies de morcegos frutívoros catalogadas, 19 espécies endêmicas de anfíbios e 266 peixes de água doce.

Angola apresenta, pois, um rico e variado património em flora e fauna, quase único na região, tanto em termos quantitativos como qualitativos que, a serem explorados de forma sustentável, podem constituir a base para o desenvolvimento económico, social e ambiental do país.

Investigações recentes referentes a segunda fase de expedição dos 14 cientistas da National Geografic Society, relacionadas com à fauna e flora selvagem de Angola, na zona do projecto Okavango-Zambeze, dados preliminares apontam na descoberta de mais de 500 novas espécies de animais e plantas identificadas nos rios Cuito, Cubango e Cuanavale. Destacando-se os pássaros com 357, peixes 60, isto sem apontar os répteis, anfíbios e outras espécies da nossa biodiversidade.


I. ESTUDOS BOTÂNICOS ANTES DA INDEPENDÊNCIA


Os primeiros estudos botânicos em Angola, tiveram início com a colheita dos primeiros espécimes botânicos por britânicos, no final do século XVII e início do século XVIII. Sendo constituídos por quatro pequenas colecções que se encontram integradas no herbário do Museu Britânico de Londres. A primeira colecção foi organizada por Mason, em 1669 (Dondo-Luanda), e consta de 36 exemplares, a segunda colecção foi feita por Kirkwood (1696–1699 – Cabinda) e a terceira por Gladman (C:? 1690). A quarta colecção é a maior, tendo sido realizada por Brown (1706-1707).

A primeira planta angolana descrita na literatura científica foi a Maerua angolensis DC. (Fig. 1), colhida nas vizinhanças de Benguela por Joaquim José da Silva[1] que havia sido enviado a Angola por decreto real, de 1783 a 1787, com a finalidade de fazer colheitas de plantas. Esta sua colheita, depositada no Museu Real da Ajuda em Lisboa, foi transferida para Paris durante a ocupação de Portugal pelas forças Napoleónicas, tendo vindo a ser descrita apenas em 1824.
Figura 1 - Maerua angolensis DC (primeira planta angolana descrita na literatura científica)

A primeira grande exploração botânica de Angola foi realizada em 1852, por Friedrich Welwitsch, após ser nomeado para estudar a vegetação de Angola. Médico e naturalista austríaco, ao serviço do Governo português em Angola durante os anos de 1853 a 1861, Welwitsch foi, na época, o principal investigador da flora de angolana.

Welwitsch depois de ter percorrido as regiões de Luanda, Cuanza Norte, Malanje, Benguela e Huíla, decidiu percorrer o sul do país, onde em 1859 explorando o deserto do Namibe (video 1), e numa zona rochosa e árida que deu com aquela que viria a ser uma das plantas mais raras encontrada até então. Os nativos chamavam-lhe de N´lumbo e por isso Friedrich Welwitsch chamou-lhe Tumboa bainesii. Um nome que mais tarde seria alterado para Welwitschia mirabilis (video 2), para homenagear o homem que a descobriu.

                                                        Video 1 - Deserto do Namibe
  
     Video 2 - Deserto do Namibe: Welwitschia mirabilis

Encontrando-se as suas colecções botânicas depositadas nos Herbário de LISU da Faculdade de Ciências de Lisboa e do Museu Britânico de Londres. Por disposição testamentária de Welwitsch, executada pela Academia de Ciências de Lisboa, foram entregues duplicados de plantas deste explorador aos Herbários de Berlim, Coimbra, Kew, Paris, S. Petersburgo e Viena.

Anterior a 1900, para além do numeroso material colhido por Welwitsch, existem materiais de herbário referentes a outros notáveis colectores, que com as suas colecções botânicas permitiram enriquecer o conhecimento da flora e vegetação angolanas, como por exemplo: Buchner, Chaves, Dekindt, Marques, Mechow e Teucz.

No que respeita às colheitas feitas de 1900 até 1950, destaca-se o grande explorador botânico: John Gossweiler (1873–1952). Este técnico agrícola e botânico é conhecido principalmente como um grande colector em Angola, certamente o maior de todos na primeira metade do século XX. A sua obra continua a servir de referência para outros trabalhos que foram realizados até aos dias de hoje.

Outros colectores como Carrisso (Director do Jardim Botânico de Coimbra nas primeiras décadas do século XX) (Video 1), Exell e Mendonça, também contribuíram para o estudo da flora angolana durante esse período, não só no âmbito da Missão Botânica de Angola mas também fazendo o estudo das diversas colecções botânicas anteriormente realizadas, de modo a lhes servirem de referência nos sucessivos fascículos que foram sendo publicados do Conspectus Florae Angolensis (Tabela 1), no período de 1937-1993 (Exell & Mendonça, 1937, 1951, 1954, 1956; Exell & Fernandes 1962, 1966; Exell, Fernandes e Mendes, 1970;  Schelpe, Jermy & Launert, 1977; Fernandes, 1982; Diniz, 1993 (Fig. 2 A, B, C, D, E, F, G).


Video 1 - Expedições botânicas das colonias portuguesas coordenadas por Luís Carrisso


Tabela 1 – Divulgação da flora Angolana antes da independência
Volumes Publicados
Fascículos (Famílias)
Total
Ano da Publicação
I
Ranunculaceae-Malvaceae
55
20-01-1937
Malvaceae-Aquifoliaceae
20-08-1951
II
Celastraceae-Connaraceae
10
20-05-1954
[Balsaminaceae]; Leguminosae (Caesapinioideae-Mimosoideae)
20-04-1956
III
Leguminosae-Papilionoideae:
Genisteae-Galegeae
09
30-01-1962
Leguminosae-Papilionoidea:
Hedysareae-Sophoreae
29-04-1966
IV
Rosaceae-Alangiaceae
29
14-08-1970
Pteridophyta

27
25-08-1977
Família 70
Crassulaceae
1
25-11-1982
Familia 122
Bignoniaceae
1
1993
Total Geral
122


As colecções de Welwitsch e Gossweiler, excedem largamente em importância todas as colheitas realizadas em Angola por outros botânicos colectores. Considerados os pais da botânica angolana, tendo viajado e colhido no país ao longo de vários anos.

Posteriormente a 1950, muitos têm sido os colectores que realizaram explorações botânicas, Brito de Teixeira, notabilizou-se deixando uma valiosa colecção botânica com mais de 13000 números. Brito de Teixeira prestou serviço de 1949-1969 em Angola, encontrando-se a maioria da sua colecção de plantas no Herbário do Instituto de Investigação Agronómica da Chianga, no Huambo, no Herbário do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra e no Herbário do Instituto de Investigação Científica Tropical de Lisboa, Portugal.


[1] Realizou a primeira exploração científica portuguesa que foi concluída em 1808

Figura 2. Volumes do Conspectus Florae Angolensis, publicadas no período de 1937-1993. A. Volume I; B. Volume II; C. Volume III; D. Volume IV; E. Volume Único: Pterydofitas; F. Familia 30: Crassulaceae e G. Familia 122: Bignoniaceae.

Durante o século XX, botânicos, ecologistas, missionários, fazendeiros e muitos cientistas de visita em Angola contribuíram para o aumento das colecções nos herbários europeus e nas instituições científicas angolanas.

 II. ESTUDOS BOTÂNICOS DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA


Na sequência da independência em 1975 e das quase três décadas de guerra civil que se seguiram, existiram poucas oportunidades para desenvolver trabalho de campo e a atenção do governo teve de se virar para prioridades socio-económicas e de segurança. Em consequência, os contributos sobre o estudo e divulgação da flora esmoreceram. Nos anos de 1977, 1982 e 1993 (Figura 2 E, F e G), foram divulgados os últimos volumes do Conspectus Florae Angolensis (Tabela 1)

 No entanto, na sequência do acordo de paz de 2002, as previsões de um rejuvenescimento da botânica em Angola tornam-se promissoras. Desde então até ao presente, têm sido apresentadas muitos trabalhos de investigação, envolvendo instituições públicas e privadas (nacionais e estrangeiras), visando contribuir para a melhoria do conhecimento botânico de Angola.

Diversas obras literárias relacionadas a flora e a vegetação do país, bem como, a sua utilidade destacamos três, que foram publicadas  na última década: Plantas Medicinais de Angola (2013), publicação de Esperança Costa e Manuela Pedro (Fig. 3 A), Plantas Ameaçadas em Angola (2009), publicação de Esperança Costa, André Dombo e Manuela Pedro (Fig. 3 B) e Checklist das Poaceae de Angola (2004), pelos autores Esperança Costa, Teresa Martins e Francisca Monteiro (Fig. 3 C).


Figura 3. Algumas obras literárias relevantes para o conhecimento da flora Angolana publicadas na última década. A. Costa e Pedro. 2013. Plantas Medicinais de Angola; B. Costa, Dombo & Pedro. 2009. Plantas Ameaçadas de Angola; C. Costa, Martins & Monteiro. 2004. Checklist das Poaceae de Angola.

Cada vez mais, nações de todos os continentes procuram forma de se auxiliarem mutuamente de modo a assegurarassegurar um futuro sustentável e humano. Angola não é excepção, fruto dissodisso, ratificou a Convenção sobre a Diversidade Biológica[1] (assinada a 5 de Junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil) após aprovação pela Assembleia Nacional da resolução n.º 23/97 de 4 Julho. Dia 1 de Abril de 1998, Angola tornou-se membro da Conferência das Partes desta Convenção. Respondeu ao programa de trabalho, com a preparação e publicação da Estratégia e Plano de Acção Nacionais para a Biodiversidade, que realça a necessidade urgente de construir capacidade na inventariação, documentação e conservação da biodiversidade (Artigo 6º da Convenção sobre a Diversidade Biológica).

 III. LACUNAS DE INFORMAÇÃO SOBRE A BIODIVERSIDADE ANGOLANA


A informação sobre a biodiversidade em Angola é escassa, pelo que a investigação é considerada uma prioridade. É de salientar que a diversidade da fauna (vertebrados) angolana tem sido mais exaustivamente estudada do que os recursos botânicos do país.

Apesar da pouca informação existente sobre o estado actual da biodiversidade em Angola, tudo aponta para que a situação se possa considerar como preocupante, nomeadamente para determinadas espécies de vegetais e animais que, por serem endêmicas e se encontrarem criticamente ameaçadas, devem ser objecto de protecção e de que são exemplo a palanca negra gigante -Hippotragus niger variani – e WelwitschiaWelwitschia – Welwitshia mirabilis. Entre as espécies criticamente ameaçadas encontram-se ainda Diceros bicornis e Diceros bicornis ssp. minor (rinocerontes pretos), Pan troglodytes troglodytes (chimpanzé) e Gorilla gorilla (gorila), Dendromus vernayi (esquilo), Trichechus senegalensis (manatim africano) e Dermochelys coriacea (tartaruga).

Algumas espécies como a chita, as hienas castanhas, o cão selvagem, o rinoceronte preto e o manatim africano, as zebras de montanha e de planície, a girafa e o orix são mesmo dadas como extintas em algumas partes do território angolano onde anteriormente abundavam. Várias outras espécies correm riscos graves de extinção. 50 das 275 espécies de mamíferos registadas em Angola estão listadas como correndo riscos de conservação de grau diverso (MINUA, 2005a).

Faltam levantamentos actualizados que cubram os diferentes padrões de vegetação de Angola. São igualmente necessários levantamentos para confirmar o estado de conservação de espécies como a Swartzia fistuloides (pau ferro), Dalbergia melanoxilum (pau preto) e outras espécies exploradas comercialmente.

A redução de habitats florestais, as elevadas taxas de desflorestamento e as queimadas descontroladas podem ser um factor de risco importante cuja dimensão é necessário estudar.

 

 IV. ESPÉCIES VEGETAIS EM RISCO


Cerca de 175 espécies de animais e plantas estão listados na Lista Vermelha do UICN (IUCN, 2000, www.redlist.org) como estando vulneráveis, ameaçadas, criticamente ameaçadas, ou para as quais não existem dados suficientes (incluindo 3 espécies de insectos, 37 espécies de pássaros, 90 mamíferos, 7 répteis, 10 gastrópodes e 28 magnoliopsidos).

Os dados que a seguir se apresentam estão incluídos nas listas vermelhas da IUCN publicadas
desde há 11 anos atrás (actualizada em 2012) e incluem as seguintes:

Nome Científico
Nome comum
Nome Científico
Nome comum
Crotalaria bamendae

Nauclea diderichii

Dalbergia melanoxilum
Ébano africano
Neritinia oweniana

Entandrophragma angolense

Phrynobatrachus brevipalmatus

Entandrophragma candollei
Cedro kokoti (I)
Prunus africana

Entandrophragma cylindircum
Sapele (I)
Pterocarpus angolensis
Kiaat, Mukua (I)
Entandrophragma utile

Raphia regalis

Mikaniopsis vitalba

Swartzia fistuloides
Pau rosa, pau ferro
Milicia excelsa
Iroko
Tapinanthus preussii

Monardithemis flava

Turraeanthus africanus

Fonte: Red Data List IUCN, 2004 ; (I) Inglês


V. Referências Bibliográficas
- Figueiredo, E. & Smith, G.F. 2008. Plants of Angola/Plantas de Angola. Disponível em:http://www.sanbi.org/sites/default/files/documents/documents/strelitzia-22-2008.pdf Acesso: 12 de Fevereiro de 2015

- Volumes do Conspectus Florae Angolensis:





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